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Viagem de navio – Parte 1

Mesmo como câmbio hostil viajamos. Pegamos um avião do Rio a Santiago, no Chile.

A viagem ao Chile é muito rápida, e não chega a ser um destino dos mais caros. Mas o que mais me impressionou foi a localização do nosso suntuoso hotel, minha guia turística particular e esposa, conseguiu nos deixar no centro de tudo, e muito bem acomodados .

Como só iríamos ficar apenas um dia, não perdemos tempo: malas no quarto, e corremos para a rua. Mal pusemos o nariz fora da porta e já tive o primeiro desafio de provar o “Mote con huesillos”. Uma impensável combinação de pêssegos em calda, servidos na calda gelada com grãos de cevada no fundo. Parece estranho, e em especial o visual: o pêssego é cozido inteiro com caroço e tudo, e fica enrugado como um cérebro. Mas é delicioso! Tive que provar mais de uma vez, apenas para me certificar de como uma coisa tão louca poderia ser tão boa.

Partimos a pé para o Mercado Central de Santiago, uma versão pouco diferente dos mercados municipais do Brasil, na verdade dividido: de um lado da avenida um mercado muito parecido como o que temos na CADEG, e do outro algo muito mais assemelhado com o Mercado Municipal de São Paulo.

 

Aproveitamos os dois estilos e de um lado compramos 1 Kg de enormes, e doces, e de um vermelho profundo, e doces, e perfeitas, e doces, cerejas chilenas. Simplesmente maravilhosas. Os morangos, blue berrys, avocatos e todas as outras coisas ficaram acanhadas diante delas.

Atravessamos a avenida. E fomos nos divertir para valer. Há um mercado de peixes e frutos do mar em torno dos restaurantes. Os animais ainda estão vivos! Mas de fatos estávamos lá para uma tarefa importante… comer um King Crab, ou centolla como se diz naquelas paragens. Acompanhamos o show que o garçon proporciona ao desossar(?!), o tal bicho espinhento. O homem tem muita prática, e transformam a tarefa de comer a carne fantasticamente doce numa simples exercício de “levantamento de garfo”.

A emoção é tanta que quase me esqueci do nível máximo de uma aventura radical, comer ceviche num ambulante de rua. Escolhi uma barraquinha (na verdade um carrinho de supermercado com um guarda-sol adaptado), cheia de “locais” comendo com voracidade. A simpática atendente colocou uma generosa porção de ceviche sobre um espaguete frio e salpicou grãos de milho fritos e salgados. Como uma baiana do pelourinho ela me perguntou se eu gostaria da iguaria quente. Confesso que com tudo isso tremi, mas comi assim mesmo. Estava comendo em pé, num pratinho de plástico, numa barraquinha, no meio de dezenas de barraquinhas semelhantes, sobre uma ponte, sobre um rio com uma correnteza marrom. Nem isso, nem o trânsito intenso e a multidão que se esfregava por ali não puderam embaçar o incrível sabor que aquela iguaria tinha. Uau! Tenho poucas palavras no meu vocabulário para descrever como estava bom.

ceviche chile

Apenas para registrar o ceviche é uma preparação que o Peru, e outros lugares como o Chile, reivindicam sua propriedade intelectual. É basicamente peixe, ou outros frutos do mar, “cozidos” na acidez do limão com temperos como cebolas, pimentões e coentro. E pimenta, é claro! É maravilhoso, e merece ser provado.

A viagem continuou com o nosso embarque num navio, com destino ao Rio, mas conto mais num próximo post.

Boas experiências gastronômicas!

Obs.: Normalmente uso a minhas próprias imagens de viagem, mas nesse caso não ficaram tão boas. Mas, apenas usei fotos buscadas na Internet que tinham semelhanças com as nossas.

Comfort food

Como alguns dos leitores desse blog já devem estar sabendo, acabo de inaugurar o meu próprio restaurante. Foi uma batalha sangrenta, e que ainda está em curso. Mas finalmente posso desenvolver os conceitos que mais me atraem na Gastronomia.

Muitas vezes fui questionado sobre tal questão. E, minha resposta sempre foi a mesma: a idéia de gerir o meu próprio negócio era atraente, mas incorria num risco financeiro muito grande. Não fui agraciado com dinheiro de família, ou sócios investidores enlouquecidos pelo meu talento. Então, sempre tive um certo medo de arriscar. No entanto, agora me senti pronto para tentar. Acontece por vezes, alguns devem me compreender, uma espécie de chamado que não pode ser deixado de lado.

Letreiro interno do Benoit

Restava uma lacuna a ser preenchida que seria determinante para um novo restaurante. Simplesmente era preciso selecionar de uma paleta gigantesca um estilo, um conceito, que fosse ao mesmo tempo interessante para aos clientes e para mim.

Gastronomia Molecular…não! Eu já não suporto mais ver pessoas fazendo “bolinhas de não sei o que”, “fumaças de nhenhenhém”, e outras coisas assim! Não me interpretem mal, pois acho a ferramenta muito boa. Mas tenho a convicção que não pode ser um fim em si mesma!

Depois pensei em algo mais “temático”, como italiano ou mexicano. Apesar de atraente sempre tive vontade de ser um pouco mais autêntico. Nem ficaria bem eu, nascido e criado num subúrbio da Cidade Maravilhosa, colocar um sombrero e um enorme bigode falso para poder escrever o cardápio.

Então, fui procurar alguma coisa menos explorada. Algo mais verdadeiro. Uma coisa que viesse a me representar um pouco mais. Estive estudando, nos últimos meses, com muito cuidado, um conceito em gastronomia que é razoavelmente novo: o Comfort food. É isso mesmo, com “m” antes do “f”! É uma expressão da língua inglesa, que em nosso ofício quer representar uma comida aconchegante, que possa trazer um sentimento de acolhimento.

Capa de um livro antigo sobre Comfort food

Assim que inaugurei o restaurante tive dificuldade em explicar aos clientes tal ideia… mas finalmente um pequeno grupo de rapazes me pediu para resumir em apenas duas ou três palavras. Senti o meu sangue fervendo por trás da pele do meu rosto. Mas num lance de sorte me ocorreram as palavras “comida de vó”. Fiquei muito feliz em conseguir definir a minha abordagem!

O fato é que agora estamos em pleno funcionamento. Produzindo uma comida que vem com memórias embutidas, geralmente da infância. Que apenas de sentir o cheiro os nossos olhos poderiam ficar úmidos. Comida simples, de origem caseira. Que traz um bem-estar imediato.

Cena do Ratatouille, onde o Remy descreve o prazer de comer

Os adeptos da fast food, ou da super elaborada haute cuisine, que me desculpem. Mas o ato de cozinhar é mais do que um emprego, ou uma carreira. O amor que as coisas são preparadas é transformador. A comida precisa ser degustada, sem pressa alguma. Precisa ser apreciada, respeitada e compreendida, o que não se pode fazer em poucos instantes.

Ingredientes frescos de ótima qualidade, combinados em preparações simples e gostosas. Sem rótulos que possam aprisionar as novas possibilidades. Os ingredientes não precisam, nem devem, ser restritos a uma região do mundo. As técnicas devem ser bem executadas, mas não ficam restritas a uma linha de raciocínio específica. A maior, e provavelmente única, limitação é que a refeição traga a memória gustativa para o centro da atenção! O relógio diminui de importância a cada porção. As questões tecnicistas também. O que realmente é relevante é o sensação aconchegante.

Imagem do conceito central do Comfort food

Desejo que vocês tenham tanto prazer ao comer quanto eu!

Gastronomia Sustentável

Artigo publicado na minha coluna mensal da revista Folha Carioca.

Revista Folha Carioca

Quando se está procurando por tendências em gastronomia é possível encontrar quase de tudo. Gente falando em cores de eletrodomésticos, debatendo sobre qual seria a próxima culinária da moda, e outras coisas semelhantes.

Mas algo realmente novo é pensar os negócios de forma ecologicamente correta, de verdade, e não apenas para parecer moderno aos olhos dos consumidores. Não basta dizer que usa papel reciclado, que faz plantio de mudas ou separa o lixo, é preciso repensar todos os processos e desenvolver uma nova forma de lucrar. Há outras coisas importantes para as empresas que não apenas o resultado financeiro.

Além das tradicionais ações, feitas por empresas de outros ramos, negócios ligados à gastronomia obrigatoriamente precisam equilibrar questões delicadas entre manter o nível de qualidade da comida servida com o desperdício de insumos, e ainda, controlar a quantidade de água utilizada sem comprometer a limpeza. Certamente não é uma tarefa simples.

Desperdício de alimentos

O lixo reciclável deve ser separado e descartado adequadamente. Mas isso só pode ser eficiente se os funcionários estiverem engajados. Seria adequado montar programas para premiar por metas de reciclagem, por exemplo.

O óleo de cozinha usado precisa ser enviado a usinas de biodiesel. O Instituto Akatu, em seu site, tem disponível uma lista de empresas que fazem o recolhimento. Além de muitas dicas práticas sobre esse assunto.

Do ponto de vista da Arquitetura novos projetos deveriam, compulsoriamente, utilizar práticas como telhado verde, isolamento térmico em janelas e paredes para melhorar o rendimento de aparelhos de ar condicionado, aproveitamento de luz solar, torneiras com acionamento automático, tratamento de esgotos,… Enfim, economia de energia (água, luz e gás) ao longo de todos os processos.

Telhado ecologicamente correto!

Mas o conceito de sustentabilidade certamente não se restringe as paredes de um empreendimento deve permear os relacionamentos entre as empresas. Controle de desperdício, e conceitos de compra ética: fornecedores comprometidos com o meio ambiente, e localizados próximos (diminuindo o consumo de combustíveis e perdas no transporte). Os estabelecimentos ajudam os fornecedores e vice-versa.

Diante da complexidade do tema não é raro encontrar empresários, e funcionários, preocupados com a preservação ambiental, mas que não tem noção de como agir. Não devemos descartar as ideias de usar papel reciclado, e plantio de mudas para reduzir o impacto do CO2. Obrigatoriamente precisamos ir mais a fundo! Sem atalhos: trabalho duradouro e manutenção diária.

Depois, quando diante dos expressivos resultados conseguidos, poderíamos utilizar tais questões como subsidio para ações de marketing. Mas só depois, como um efeito colateral bom.

Até a próxima!

Rio Restaurant Week

Manter o blog atualizado tem sido a batalha em que eu mais tenho perdido. A quem me lê (ou lia) com assiduidade peço desculpas, e explico: não abandonei esse nosso espaço, apenas estive muito ocupado escrevendo para a Folha Carioca e para a Gastronomia Rio. Produzir texto para revistas é uma das minhas novas atividades, e podem acreditar estou me esforçando, e divertido, muito. Mas o formato, a linguagem, e até a questão de existiram prazos, me deixou um pouco confuso. Confesso que não consegui colocar as minhas ideias em ordem para que se condensassem em texto.

Mas uma coisa boa surgiu dessa confusão. Algumas empresas de assessoria de imprensa leram as minhas colunas e passaram a sugerir pautas para as minhas colunas. Algumas são maravilhosas, e vou usá-las aqui! O perfil das minhas colunas e artigos é ser independente, o que me permite expor a minha opinião sem preocupação de “magoar” anunciantes. E, justamente por isso, preciso estar muito atento sobre sugestões.

Toda essa explicação é apenas para dizer que no meu blog escrevo o que quero, da forma entendo ser melhor, e se achar que algo merece uma divulgação gratuita faço o jabá, e pronto! Trabalho bem feito precisa ser reconhecido!

Rio Restaurant Week

No próximo dia 22, segunda, está começando a sétima edição do mais nova-iorquino dos eventos gastronômicos, o Rio Restaurante Week. Até o dia 04 de novembro os melhores restaurantes da cidade estarão oferecendo criações inspiradas de seus chefs, por preços promocionais. É obvio que é uma oportunidade importante para treinar o paladar.

Aqui no Rio, serão 60 restaurantes (é possível consultar a lista completa no site do evento) oferecendo menus com entrada, prato principal e sobremesa, e tudo por apenas R$ 31,90 no almoço, e R$ 43,90 no jantar. Ao pagar a conta os clientes ainda podem optar por contribuir com R$ 1,00 por refeição, para o instituto Ayrton Senna.

Instituto Ayrton Senna

Há uma vantagem adicional: todos os participantes sabem que estão sendo observados por seus pares! Sendo assim, ninguém vai querer parecer pouco criativo, ou habilidoso. Todos estarão dando o melhor dentro de suas categorias! Não é uma competição, é claro, mas o resultado vai ser instigante.

Como tenho amigos trabalhando em muitas das cozinhas que estarão em evidencia durante o evento, não vou cometer a indelicadeza de informar o meu roteiro. Mas espero encontrar vocês muitas vezes.

Boas experiências gastronômicas.

Deve ter sido alguma coisa que comi…

Tenho tido pouco tempo para escrever, apesar se ser uma das minhas novas atribuições. Então, aproveitei o tempo, das idas e vindas, para terminar um livro que estou carregando de um lado para o outro por mais de dois meses. Não porque seja chato, nem por falta de interesse, mas o livro é grande mesmo. São cerca de 500 páginas!

Normalmente, quando aumento minha lista de livros recomendados, eu simplesmente faço uma menção à atualização e deixo que a curiosidade de cada um diga o que fazer. Dessa vez será diferente: o autor é um crítico de Gastronomia da Vogue, também escreveu o título “O homem que comeu de tudo”.

O livro é ótimo. Chega a ser profundo em alguns temas. Pega um assunto gourmet e tenta descobrir todos os aspectos relevantes para a constituição do paladar final. Viaja atrás de fornecedores, faz testes comparativos, pesquisas bibliográficas, e tudo mais que for necessário para chegar às conclusões definitivas.

Ainda como efeito colateral me fez lembrar que não é exclusividade para os chefs o amor pela gastronomia. Os críticos também amam! Brincadeiras a parte, sempre tive certo preconceito sobre essa gente. No filme Ratatuille, que vi pela enésima vez neste final de semana, existe uma cena onde o Sr. Ego (o crítico) “explica as regras do jogo” para o chef novato. Nesse ponto o jornalista se declara, em um tom fúnebre, amante profundo de comida (boa).

Imagem do personagem Ego em Ratatuille

Hoje conheço pessoalmente uma ex-crítica de gastronomia, superfamosa e importante. E posso garantir: é boa gente, e é amante da comida!

Isso me leva a concluir, obviamente, que a gastronomia não é uma carreira apenas para cozinheiros. Existem tantas outras facetas dessa verdade maravilhosa que é difícil de enumerar numa lista. Apresentador de TV e rádio, professor, assessor de imprensa, barman, blogueiro, escritor, consultor, crítico, degustador, designer, fotógrafo, enólogo, nutricionista,… todos com o coração batendo forte pela comida.

São tantas as novas profissões...

Durante todo o tempo que estive na UNIRIO, de aluno a coordenador técnico, vi muitos tipos de objetivos diferentes. Alguns alunos alcançaram outros não. Mas nem por isso faltou paixão nos seus olhos. Existem muitos caminhos.

Bons cozinheiros, e amantes da Gastronomia, podem exercer muitas profissões diferentes!

Boa caminhada!

Botecos!

Tão em moda, até com concursos badalados, esse tipo de cozinha está no topo do ranking das conversas sobre gastronomia. Pois a comida de boteco é bastante abrangente, e contem muitos conceitos culturais envolvidos.

Comida di buteco!

A imagem anterior era de pequenos bares, largados em esquinas feitas, com salgados surrados deixados em estufas sujas, cerveja, cachaça e cigarros. A falta de criatividade gastronômica era uma marca! Grande parte dos cardápios (!?) do bar se resumia a bolinhos e frituras em geral.

Daquela pequena lista de tira-gostos padronizados restou pouco. A verdadeira comfort food emergiu, junto com um bom atendimento. A tal comida afetiva trouxe o assunto para o grau de gastronomia por ser uma legítima expressão cultural.

Cardápios!

Mas o tempo passou e foi preciso ser criativo para manter a clientela fiel. Desenvolveram-se tira-gostos incríveis, e junto com isso, reinventaram o mercado. A cultura de raiz começou a movimentar os estabelecimentos. O público, especialmente os jovens, descobriram os prazeres mais simples. E a reboque veio um senso de organização e limpeza desses bares, muitas vezes negócios de família.

Nem por isso, o ambiente ficou esnobe, nem sofisticado em excesso. Agora esses lugares podem refletir tanto a culinária local, como podem remeter a algum lugar do mundo (ou alguma época), quando são chamados de temáticos. Quer fazer um programa barato, simpático e bem descontraído? Então, entre de cabeça no assunto boteco!

Muitos empresários já entenderam os sinais que o mercado está dando sobre isso, e já criaram os seus bares, com cardápios de dar inveja a muito restaurante típico por ai. O retorno parece garantido.

Aproveitar a vida com alegria é característica cultural marcante dos brasileiros, e carioca em especial. O ritual começa ao final do expediente da sexta-feira, quando os bares ficam lotados, com suas mesas se espalhando pelas calçadas. Tudo acaba se tornando uma festa para pessoas que não se conheciam. É a verdadeira espontaneidade brasileira a flor da pela.

Nas esquinas por aí!

Em alguma sexta-feira, estarei no Espaço Carioca de Gastronomia, com a aula “comida de boteco”. Já está prontinha só aguardando um espaço na agenda. Vou mostrar como são feitos alguns clássicos da boemia carioca. Tudo muito prático, saboroso e barato como deve ser.

Até sexta! Boa comida de boteco!

O pessoal da salada

É sempre muito difícil lidar com pessoas, especialmente no ambiente de trabalho. Como trabalho liderando equipes há muitos anos já consigo reconhecer alguns padrões de comportamento, ainda que em seus momentos embrionários. Por vezes até prefiro mudar alguém de posição, para evitar problemas futuros.

Cada função exige um conjunto de qualidades específicas, que podem ser aprendidas e desenvolvidas, mas por vezes o trabalho é tão particular que chega a atrair um determinado perfil.

Tive experiência com muitos saladeiros, pois é uma praça muito importante para mim: é o cartão de visitas da refeição. Tarefa digna de muito talento e preparo. O profissional adequado pode transformar uma salada simples em uma verdadeira peça de arte, e surpreender positivamente o comensal. Preparando terreno para o restante da refeição.

Mas, e até acho que por isso, os responsáveis pelas saladas se acham muito talentosos. Alguns até o são mesmo! Mas aprender meia dúzia de truques de decoração não é suficiente para tornar um ajudante de cozinha em um artista plástico.

Maçã cortada de forma criativa.

E, além disso, manter um profissional “criativo” dentro dos procedimentos é uma tarefa das grandes. Muitos escorregam dos padrões em nome de uma liberdade pela busca da estética. Não acho que todos devam ser cerceados e que apenas as minhas soluções possam resolver tudo. Mas como responsável final pela comida exijo participar do processo.

O representante da equipe precisa ter certeza de que o cliente vai receber o seu pedido dentro dos padrões mínimos de qualidade estabelecidos pela casa. E também que a “inovação” esteja perfeitamente alinhada com o cardápio, que finalmente é a impressão da marca do chef.

Ciclo PDCA adaptado melhoria contínua.

Falando dessa forma pode parecer um excesso de controle, mas não estamos tratando apenas de detalhes finais de decoração. Já vi processos de higienização de vegetais serem dispensados, apenas por que na última hora “faltava um verdinho” no prato. Inaceitável!

Os Procedimentos Operacionais Padronizados existem basicamente por dois motivos: o primeiro, e mais óbvio, é manter o nível de higiene alto; mas, também há questões ligadas a capacidade de repetir os sucessos. Os clientes voltam aos restaurantes em que puderem repetir boas experiências, e não por que uma única vez a comida estava maravilhosa.

Concordo que estamos tratando de arte. Mas esse é um tipo diferente de arte, que precisa ser repetível para financiar novas investidas na inspiração. Nesse ramo estamos sempre buscando a excelência, procurando estabelecer novos patamares de bom serviço. Muitos escritores já denunciaram que o seu oficio, parece com o nosso, sendo baseado muito mais em esforço do que insight. E não poderia ser diferente conosco, os transformadores de alimentos em peças artísticas.

Tirinha do Calvin falando sobre inspiração.

Wislawa Szymborska, uma poetisa polonesa, trata o assunto com bastante sabedoria: “A inspiração não é um privilégio de poetas e artistas. Existe, existiu, existirá sempre certo grupo de pessoas a quem a inspiração visita. É formado por todos aqueles que conscientemente escolheram sua vocação, e fazem seu trabalho com amor e imaginação. […] Seu trabalho se torna uma aventura constante, enquanto forem capazes de continuar a descobrir nele novos desafios.”

Bons processos criativos!

Soul Kitchen

Como não sou de fazer anúncios prévios da minha agenda aqui no blog, algumas pessoas que visitam com regularidade reclamam que só mostro eventos passados, e assim não conseguem aproveitar da minha comida. Pois bem, vamos ao jabá!

Aproveito a oportunidade para anunciar que depois de anos ausente, por estar dedicado a diferentes projetos, volto a participar do Rio Gastronomia. Um festival cheio de mídia, chefs e restaurantes badalados, concursos, e coisas assim. Agora, mesmo trabalhando numa cozinha fechada ao público, resolvi participar. Nada demais. Apenas convidei um restaurante amigo a apostar em um menu escrito por mim. O Vegetariano Social Clube topou, e vamos juntos nessa empreitada.

Festival Rio Gastronomia

Outro anúncio é que a partir de julho, a revista Folha Carioca, distribuída gratuitamente pela Zona Sul, vai inaugurar uma nova fase (a partir do número 100). Com novo projeto gráfico, e novos colaboradores. E, vou assinar a coluna de Gastronomia. Vou tentar deixar os textos interessantes. Espero que gostem.

Para não parecer que fiz um post apenas para me promover, atualizei a minha lista de filmes que falam sobre gastronomia recomendados com um filme, já antiguinho, chamado Soul Kitchen. Cinema alemão, atores pouco conhecidos do grande público. Mas a comédia acaba sendo bastante eficiente em mostrar o funcionamento de restaurantes. O filme está disponível na TV a cabo.

Soul Kitchen

Em algumas passagens do filme pude me lembrar muito claramente de um texto que postei que se chamava, sugestivamente, “Pérolas aos porcos”. Pois o filme também trata dessa relação, entre chef e clientela, sem colocar panos quentes.

No entanto, o mais legal do filme é mostrar a alma de cozinheiro. Essa força de vontade, essa gana em fazer o melhor, de chegar ao fim de um exaustivo dia de trabalho, que só vejo algumas vezes. Muitas pessoas trabalham em cozinha, mas poucas compartilham o sentimento de que estou falando. E, apenas alguns poucos tem isso tatuado na alma. Esses, mesmo que ainda sem experiência, já podem ser considerados artistas. Os outros, apenas artesãos.

Precisamos de ambos, na profissão. Mas, vejo as escolas formando grandes lotes de pessoas com uniformes bonitos, mas pouca alma de cozinheiro. As profissões que estão na moda sofrem desse mal.

Aos que estão ingressando na carreira um breve conselho: depois de aprender as técnicas, busquem os sentimentos. Procurem emocionar os clientes, sem firulas, sem bobagens. O resultado pode demorar, mas virá.

Bom encontro com a alma!

O que é um restaurante natural?

No outro final de semana fui a um restaurante que estou acostumado a frequentar. E, quem lê o meu blog já deve saber que sou vegano, e portanto não consumo nada de origem animal. Nada demais, não fosse uma nova opção no cardápio que encontrei: picanha.

Já acompanho o estabelecimento desde antes da inauguração da segunda casa, e sei que há opções honestamente vegans. Vegan friendly, é o termo normalmente usado para essas situações. E também é fato que o restaurante se diz natural, e não vegetariano. Mas, mesmo assim, considerei uma ofensa pessoal e não volto mais.

Logotipo Vegan friendly

Daí estive pensando em qual seria o compromisso que um restaurante natural tem com seus clientes. Descobri depois de uma extensa pesquisa, com cerca de 3 ou 4 amigos, que cada pessoa possui uma expectativa em relação a esse termo. Mas, na média, todos concordam com o conceito de comida saudável.

Então fui ao oráculo pesquisar o tal termo, e nem o todo poderoso da Web pode me responder adequadamente. Por isso continuei na batalha. Refeições saudáveis, alimentação equilibrada, alimentos naturais,… e alimentação natural.

Movimento Hippie: paz e amor!

O movimento Hippie deixou sua marca na cultura mundial, e tenho certeza de que essa foi uma delas. Os cardápios com mais vegetais, a diminuição da utilização de aditivos como gorduras e açúcares, culminaram em uma verdadeira onda chamada Macrobiótica.

Como é a Macrobiótica...

Como em todos os casos o tempo encarregou-se de distorcer e esmaecer os conceitos iniciais, e chegamos ao “sanduíche natural”, a base de maionese, vendido nas praias. Passando é claro pelos lugares chatos onde algumas pessoas esverdeadas e sombrias perdiam as suas horas de almoço. No pensamento geral, já é bastante perguntar se é natural, e não precisando mais investir tempo em pensar no valor das coisas.

A palavra natural deriva do termo latino Natura, e significa aquilo que existe independente da ação humana. Mas apenas porque algo é assim não denota que seja seguro, saudável ou muito menos saboroso. Alguns cogumelos e ervas venenosos são bom exemplo disso. E tudo que existe é constituído por moléculas, átomos e elementos químicos, fundamentalmente naturais.

Mas como traduzir um conceito tão complexo no “preparo e comércio de refeições”? O mais correto seria buscar uma linha de cardápio com opções equilibradas, e de baixa caloria, que não utilizam ingredientes industrializados, e que sempre que possível tenha como base os orgânicos (clique aqui para ver a cartilha completa sobre orgânicos). Achei um artigo do SEBRAE-SC falando sobre como abrir restaurantes assim!

Selo de Orgânicos!

Se ao ler isso a questão que vem a cabeça é sobre a existência de algum restaurante comercial nesses moldes, respondo antecipadamente que sim, pelo menos parcialmente. Conheço muitos lugares sérios que buscam tal caminho.

Apenas para contar uma história: quando saía do prédio onde trabalho, no Centro do Rio de Janeiro, recebi um folheto de uma mulher de uniforme. Ela me sorriu e disse algo como “restaurante natural, senhor”! Quase tive um infarto! Mas por curiosidade peguei o papel e fiquei agradavelmente satisfeito com o que vi. As palavras variedade e saúde logo em destaque na parte superior, e no verso um aviso sobre produtos naturais que podem ser adquiridos por lá. As fotos de pratos com carnes, sobremesas de chocolate, e outros produtos industrializados também estavam em destaque. Mas o nome do restaurante era seguido de “gastronomia saudável”, diferente do que dizia a moça. Fiquei mais calmo e feliz, começaram a botar os pingos nos is.

Boas refeições “naturais”!

Gestão de restaurantes

Tenho pensado muito em administração de restaurantes. E sempre que esse assunto retorna acabo chegando a conclusões semelhantes: Muitas operações não são bem sucedidas pela dificuldade de seus gestores em gerar o capital. E como sobreviver sem comprar equipamentos novos, dar manutenção, e arcar com os gastos necessários?

Problemas financeiros!

Basicamente, a questão gira em torno do despreparo de se gerenciar o negócio.

Não é realmente uma tarefa fácil. Pois, por definição o serviço, diferente do produto, é intangível e relacional. Isso quer dizer, que a mercadoria em jogo é uma sensação, ou uma percepção. E ainda que seja preciso a presença do consumidor e do fornecedor para que o serviço aconteça.

Associado a isso, a alta dependência do fator humano provoca uma variabilidade no resultado, que acaba por dificultar o estabelecimento de uma política de preços adequada. Visto que há dificuldades em avaliar riscos e julgar qualidade. E, talvez por isso, existe uma enorme barreira em estabelecer proteção por patente.

A natureza artística do serviço necessita de uma gestão complexa, em especial por basear o seu crescimento em indicações e reputação. O público precisa ter repetidas experiências positivas para iniciar o processo de divulgação para o seu circulo. A qualidade será percebida nos detalhes.

Gastronomia como arte!

É preciso ter a habilidade de prestar o serviço exatamente como prometido (Confiabilidade), dentro do prazo acordado (Capacidade de resposta), com conhecimento dos funcionários (Segurança) advinda da autonomia para resolver problemas, com cortesia e atenção individualizada dispensada aos clientes (Empatia), sem esquecer que em nosso caso o serviço precisa vir acompanhado de (Itens tangíveis) como instalações físicas, material de comunicação, e até mesmo utensílios. Qualquer ponto ao longo do processo com uma experiência negativa pode gerar uma impressão generalizada negativa.

Mas de todas as agruras de um negocio desse mercado, talvez a mais desconcertante seja a simultaneidade, entre produção e consumo. Como, em geral, não é possível estabelecer previamente qual será a demanda existe uma tendência a superavaliar a capacidade de produção. O que acaba em fila, quando a previsão de demanda ou de capacidade produtiva, ou de ambas, é modificada por motivos externos.

Há duas alternativas para tratar esse problema: ou a capacidade segue a demanda, ou se estabelece um determinado nível de serviço, tido como adequado, e a partir daí a fila volta a ser inevitável.

Cartaz sobre filas

De qualquer forma, ter fila na porta é o tipo de problema que todo restaurantier gostaria de tentar resolver. É sinal, quando não é regra, que o número de clientes que gostariam de comer nesse restaurante é maior do que os que podem ser atendidos.

Algumas estratégias podem ser utilizadas como sistema de reservas, pacotes fora do pico, festivais gastronômicos bem segmentados, oferta de serviços complementares, transferência de tarefas ao cliente e reforço na comunicação.

Alguns aspectos psicológicos precisam ser destacados como, por exemplo, a espera ociosa parece mais longa, e se solitária mais desconfortável ainda; a demora parece mais longa até o atendimento do que durante o serviço; quando a espera é imprevista, inexplicável ou injusta também parece mais longa; e, na percepção de novos usuários o delay é mais sofrível.

Com clientes de longo relacionamento a repetição da experiência diminui a ansiedade, reduzindo os efeitos negativos do tempo. Além disso, o senso de familiaridade estabelecido acaba por se traduzir em um tratamento especial, de parte a parte. O conhecimento dos processos envolvidos desmistifica a “caixa preta”, incorporando o comensal na resolução de problemas do restaurante.

Desculpem-me Kotler, Drucker e Maslow, pela intromissão.

Boa gestão!